Capitulo 21
Sexta-feira, dia 6 de Novembro, 2:32, meu quarto.
Thur:
O celular de Lua vibrava incessantemente em minhas mãos. “Clara”, “Papai”, “Mãe” e “Casa” eram os que mais tocavam. Além de mais três nomes que eu não conhecia, provavelmente seus meio-irmãos e seu padrasto. Eu não sabia o que fazer… As meninas já haviam ido embora - depois de eu prometer a elas que levaria Lua para casa quando ela estivesse melhor, pois ela não poderia ir pra casa naquele estado - e os guys já estavam no décimo segundo sono. E eu estava ali, sentado na poltrona do computador há umas duas horas, curvado para frente, morrendo de sono e olhando fixamente para a boca entreaberta de Lua, com medo de que a polícia invadisse minha casa a qualquer minuto.
Lua havia bebido demais. Assim como eu mais cedo, apagou. E eu duvidava que iria se lembrar de tudo que fizera na madrugada. Quero dizer, não era Lua quem estava ali. Era provavelmente a Lua que ela gostaria de ser, mas definitivamente não era ela mesma. Espontânea, falante e feliz. E louca, porque beijar suas três melhores amigas e brincar de passar a carta com a boca não eram coisas que a Lua normal faria. Aliás, se a Lua normal estivesse ali, quando soubesse que tinha que lamber meu queixo, provavelmente vomitaria na minha cara. Mas não, a Lua-crazy-life somente riu e lambeu, de um jeito que me deixou completamente paralisado por falta de sangue em todos os membros menos um, se é que você me entende…
Se a acordasse, ela provavelmente ainda estaria bêbada, ou, na melhor das hipóteses, tonta. Se deixasse-a dormir, seria morto por toda sua família. Desviei os olhos da sua boca para seus olhos. Tinha que acordá-la!
Levantei-me da poltrona, sentindo uma pontada na espinha por me mexer tão bruscamente depois de tanto tempo na mesma posição. Minha cabeça doía de tanto pensar, e meus pés formigavam. Caminhei até ela, deitada de bruço na minha cama, e sentei-me ao seu lado. Passei a mão por sua cabeça, não com a intenção de acordá-la, mas porque estava com vontade de fazê-lo desde que a carregara desmaiada no colo para o meu quarto. Seu cabelo era macio e gelado, e meus dedos se embaralharam na montanha de fios… Meu coração de um pulo no peito.
O que eu estava fazendo?
Chacoalhei a cabeça para parar com aquilo e, com as duas mãos, comecei a balançar seus ombros.
- Lua? - chamei baixinho. Nada. - Lua, acorda, você precisa ir embora! - ela se remexeu. - Lu?
- Quem disse que você pode me chamar assim? - ela perguntou sonolenta, e eu sorri.
- Há quanto tempo está acordada? - perguntei.
- Há uns 15 minutos… Aliás, obrigada pelo cafuné. - ela brincou, apoiando-se nos cotovelos e olhando ao seu redor. - Seu quarto é legal. - disse, observando os pôsteres na parede.
- Valeu. - agradeci, esquecendo o que deveria dizer a ela e me sentindo meio idiota, mesmo que sem motivo nenhum. Mas o celular chato recomeçou a vibrar, e eu me lembrei instantaneamente da aflição que estava me consumindo nas últimas horas. - Você está ferrada!
- Por quê? - ela perguntou, me encarando nos olhos. Suas pupilas estavam muito dilatadas, e eu podia ver, mesmo no escuro, que ela ainda estava um pouco bêbada.
- Família. - levantei o celular na altura dos seus olhos.
- Porra… - ela xingou, fechando os olhos pela claridade do visor, saltando da cama e quase caindo ao tentar se equilibrar. Pegou o celular das minhas mãos e atendeu no primeiro toque. - Alô?
- Lua Blanco, aonde diabos você se meteu? - ouvi uma voz masculina exclamar do outro lado. Lua afastou um pouco o celular da orelha, fazendo uma careta.
- Estou na casa de um amigo, pai, o celular estava na minha bolsa e eu nem percebi ele tocar… - ela mentiu, nervosa.
- Mentirosa! Eu liguei para os pais de suas amigas e eles me disseram que elas chegaram alteradas em casa! O que diabos vocês fizeram, NÃO MINTA PRA MIM! - ela olhou pra mim, suplicante. Num ato de coragem inconsequente, arranquei o celular da sua mão.
- Oi, Sr. Blanco, eu sou o Thur, amigo da sua filha, e ela está na minha casa. - disse, tentando ao máximo soar responsável. - Sei que não tenho moral com o senhor para dizer que sua filha está bem, mas eu vou levá-la para a casa se o senhor me permite.
- Sem essa de senhor Blanco pra cima de mim! - ele berrou, mas pelo menos estava mais calmo do que quando falava com ela. - Quero ela aqui em 20 minutos, senão eu mando te prender!
- Sim, senhor! - disse, sendo respondido pelo tu tu tu do telefone desligado. Fechei o flip do celular e devolvi a ela, que acendia a luz para procurar seus tênis. Quando os achou, foi ao banheiro se arrumar, e eu fiquei rodando pelo meu quarto, procurando minhas chaves.
Assim que estávamos pronto, descemos as escadas silenciosamente, passando pelos guys que roncavam na sala e fomos até o carro. Dirigi o mais rápido que pude, com Lua muda ao meu lado. Chegamos em 7 minutos na sua casa, e ela logo saltou do banco de passageiro, com o olhar do seu pai na janela do andar de cima do sobrado. Mas antes que ela saísse por inteiro do carro, peguei no seu braço num movimento involuntário. Ela se virou para mim na mesma hora, como se já esperasse minha reação.
- Me desculpe. - pedi, sério.
- A culpa não é sua. - ela disse, dando de ombros. - Já passei por isso antes, não esquenta.
- Beleza… Fica tranquila, se eles te prenderem em casa eu venho te salvar. - brinquei, e ela sorriu.
- Só tente não vir bêbado.
- Tente não estar bêbada.
- Idiota!
- Ignorante!
- Otário!
- Imbecil!
- Boa noite, Thur. - ela desejou, mostrando os dentes num sorriso engraçado, batendo a porta do meu carro logo em seguida.
Observei ela entrar correndo em casa e fiquei por um bom tempo observando a movimentação na sala de estar da casa. As luzes se acendendo e apagando e alguns “CASTIGO” que saíam pelas frestas das portas.
Abri o vidro do carro e acendi um cigarro.
- Boa noite. - sussurrei, antes de sair de lá e voltar para casa.
Sexta-feira, dia 6 de Novembro, 2:42, sala de estar.
Lua:
- Você tem IDEIA do que nós passamos hoje? - meu pai perguntou, cuspindo as palavras na minha cara. Clara estava ao seu lado, pressionando a barriga e tentando ser severa, olhando sério para o além. - Sua família INTEIRA está te ligando desde as DEZ horas da noite! Sabe o que são quatro horas desesperados para saber o seu paradeiro? Sabe o que é isso? Sabe o que é ficar pensando em todas as desgraças do mundo?
- Não… - murmurei, com a cabeça baixa, tentando não transparecer minha não sobriedade.
- Você é uma mentirosa, uma incosequente, dissimulada… - ele ia dizendo, enquanto eu só concordava com a cabeça. - Irresponsável, imatura…
- Lua, nós nos preocupamos muito com você hoje! Pra quê sumir assim? – Clara perguntou, e eu dei de ombros.
- Não tem nada a dizer? - meu pai perguntou, irritado.
- Sei lá, eu estou errada e vocês certos? - perguntei, me segurando para não rir.
- Essa foi a pior coisa que você já fez, Lua. - meu pai disse, um pouco mais controlado. - E eu quero que você suba para o seu quarto e só saia de lá amanhã de manhã para ir à escola. Vai ficar um mês sem Internet, telefone, celular e sem sair de casa, pra você aprender a medir as consequencias dos seus atos.
Assenti com a cabeça, ainda sem responder. Retrucar seria pior. Meu pai estava irado… Contando com as suas, tinha mais de 40 ligações perdidas no meu celular! Era um exagero, mas não tentaria me defender, eles nunca iriam me ouvir. E eu sabia, no fundo, que estava errada.
Levantei do sofá e subi os degraus de dois em dois. Entrei no meu quarto e me joguei na cama, sem trocar de roupa ou tomar banho. Retirei meus tênis de qualquer jeito e me cobri até a cabeça. Que noite! Aliás, que dia!
Apesar de todos os acontecimentos, adormeci com um só pensamento na cabeça: Não poderia mais ir à festa de Micael…
Sexta-feira, dia 6 de Novembro, 7:43, sala de estar.
Guys:
- Que dor de cabeça infernal! - Pedro reclamou, depois que terminou de tomar uma garrafa inteira de água.
- Pelo menos você pegou alguém… - Micael disse, jogado no chão da sala.
- É? Engraçado. - ele virou os olhos, abrindo outra garrafa de água.
Olhei para Micael, que olhou para Chay, que olhou para mim.
Ele não se lembrava?
- Você… Você não se lembra? - Micael perguntou.
- Lembrar do que? - ele tirou a garrafa da boca, já pela metade, deixando um fio de baba escorrer pelo queixo.
- Que você ficou com a Ray? - Chay completou, franzindo a testa.
- Ah, conta outra, vocês não vão me convencer com essa história! - ele riu, pousando a garrafa em cima da bancada. Não que alguém ainda fosse beber aquilo… - Bem que eu queria, mas aquela menina é osso duro de roer! Nunca que ela ficaria comigo…
- Hm, bom, acredite no que quiser, mas que vocês trocaram saliva no sofá ontem, vocês trocaram… - eu disse, rindo. - E eu não estava louco o suficiente para estar imaginando coisas!
- Vocês estão falando sério? - Pedro perguntou, arregalando os olhos. - Ela ficou comigo? Eu fiquei com ela? Nós ficamos?
- Bom, se você ficou com ela, ela ficou com você, consequentemente… - Micael deixou a frase no ar.
- Nós ficamos! - ele completou, com um ar de bobo na cara. - E eu não me lembro!
- Aparentemente… - dei de ombros.
Enquanto os três discutiam, subi para o meu quarto. Entraríamos na segunda aula devido à ressaca forte, e eu precisava de um banho. Despi-me e entrei no banheiro, ligando o chuveiro no quente. Entrei debaixo da água e deixei ela varrer de mim todos os vestígios de cansaço. Eu não estava só cansado fisicamente. Minha cabeça doía e meus olhos pareciam não querer abrir. Estava preocupado com alguma coisa, só não sabia o quê; Aquilo estava me incomodando muito. Aquela sensação de fracasso… O que poderia estar me deixando daquele jeito?
Então me lembrei.
Lua.
Sabia que encontraria com ela mais tarde na escola, mas algo me dizia que ela havia se ferrado feio, e parte da culpa fora minha. Ela estava sempre sendo legal comigo, mesmo que de um jeito estranho, e eu só havia mancado com ela. Primeiro ficava zoando com a sua cara, depois aparecera bêbado quando deveria ajudá-la, e depois a fizera ter problemas com a família.
Será que ela seria capaz de me perdoar?
Terminei de tomar banho e me enrolei na toalha. Chegando ao quarto, coloquei uma boxer preta e enfiei minha calça jeans cinza clara de qualquer jeito, segurando-a na metade da bunda com um cinto preto de fivela prata. Coloquei minha camiseta God Save The Queen e baguncei com as mãos meu cabelo. Peguei meu laptop e deitei-me na cama, apoiando ele em minha barriga. Esperei ele resolver funcionar direito e entrei no MySpace, no Facebook e no Twitter. Vários amigos novos e 230 plays no MySpace até aquele momento. Sorri abobalhado, enquanto respondia algumas pessoas. Quando já eram 8:10, Micael veio bater na porta para irmos à escola.
- Então não rolou nada mesmo? - perguntei, enquanto descia as escadas com ele ao meu lado.
- Não, eu não consegui chegar… - ele suspirou. - Nem sei o que me aconteceu, eu sempre fui direto ao ponto e com ela eu arreguei! Sei lá, eu me sinto burro perto dela…
- Viado. - brinquei, mas eu sabia exatamente como ele se sentia.
Despedi-me deles - sem motivo, pois os encontraria dali 15 minutos no colégio - e subi na minha Pajero. Ao chegarmos ao final da rua, peguei a direita e eles a esquerda. Liguei o rádio no máximo e dirigi por uns 4 minutos, até chegar à república em que Carla estava morando. Ela subiu no carro, depois de se despedir de suas amigas - que me secavam descaradamente -, e mudou de estação para alguma música pop chata.
- Quando você vai comprar um carro? - perguntei, contrariado.
- Quando papai decidir qual vai me dar. - ela sorriu, sarcástica.
- Engraçadinha. - disse, mudando de estação.
Fomos nessa disputa até chegarmos ao colégio. Deixei-a no portão do primeiro ano e fui até o estacionamento. Assim que cheguei, dei de cara com Sophia e Rayanna.
- Oi, meninas. - acenei, e elas acenaram de volta. Fui até elas. - Estão encrencadas?
- Eu não. - Sophia respondeu. - Meus pais não estão nem aí pra mim.
- Eu mais ou menos… - Rayanna suspirou. - Sem mesada por dois meses.
- Que chato… - comentei. - E Lua?
Elas se entreolharam.
- Nós ainda não sabemos, mas aparentemente ela está bem encrencada…
Entortei a boca, aflito. Não queria ter causado problemas a ela…
- Bom, nos vemos por aí…
- Thur! - Rayanna chamou, depois que eu já havia me virado. Olhei para ela. - Você, por acaso, hm, saberia me dizer se…
- Sim. - respondi. - Você ficou com ele.
- Droga! - ela exclamou, mas o sorriso débil no seu rosto indicava o contrário. - Bom, obrigada pela informação…
- De boa.
Atravessei o pátio em largas passadas, encontrando os caras sentados nas escadas do prédio do ensino médio. Sentei-me junto a eles e acendi um cigarro. Micael acendeu um também.
Fiquei ouvindo eles conversarem sobre coisas sem sentido e sobre Micael estar virando bicha. Não comentei nenhuma vez, e só ria quando eles estavam me olhando. Não tinha saco para piadinhas sem noção. Estava estressado e cansado, e nem tinha um motivo concreto. Aquilo tudo não podia ser por causa de Lua!
Podia?
O sinal bateu e nem sinal dela - desculpe o trocadilho do caralho. Será que havia sido proibida de ir à escola? Será que os pais haviam transferido ela? Será que ela estaria trancada no porão de sua casa só a água e pão? Será que havia sido morta???
Entrei na escola sentindo um peso anormal na minha mochila. Não sabia se era a blusa que havia colocado ou se era minha consciência moral. Não deveria ter dado tanta bebida a ela, não deveria tê-la chamado para ir em casa, não deveria ter pedido sua ajuda, não deveria tê-la conhecido! Agora estava com mais problemas do que nunca tivera em toda minha vida, e era tudo sua culpa! Eu nunca havia me preocupado com alguém tanto assim, além de mim mesmo. Por que ela tinha que chegar e balançar o meu coreto?
- Thur, aonde você está indo? - Chay perguntou, me puxando pela alça da mochila. - Temos biologia agora!
- A é… - disse, num torpor inexplicável. - Cadê o Micael e o Pedro?
- Eles têm química na segunda aula… O que houve com você?
- Nada… - suspirei, jogando minha mochila na primeira carteira que vi.
O professor entrou na sala e começou a falar sobre fibras, nutrientes, sais minerais, água, blá blá blá whiska sachê, e quando eu vi já estava quase dormindo em cima da carteira.
Apaguei.
- Sr. Aguiar, cite duas funções importantes do ferro. - o professor me cutucou e eu levantei a cabeça, com os olhos fechados e um fio de baba escorrendo pela minha boca.
- Hm… Hemoglobina… - vasculhei minha cabeça em busca de informações, e a única coisa que consegui dizer foi: - E ser puxado por caras gigantescos que tomam suplemento e ficam com o pinto pequeno.
A sala inteira explodiu na risada e eu abaixei a cabeça novamente.
- Menos meio ponto na sua média, Aguiar. - ele disse, se virando para a lousa.
Aquele dia estava sendo péssimo!
Peguei meu celular na bolsa e fiquei mexendo no plano de fundo. Então tive uma ideia! Abri a caixa de mensagens e comecei a digitar…
Continua..
Curiosa......Muito legal o cap!
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