Sábado, dia 7 de Novembro, 10:53, Blanco Records.
Girls:
Acordei com Clara gritando. No início pensei que fosse só um sonho, mas sua voz entrava cada vez mais no meu cérebro, e eu percebi que era real. Em estado de alerta, pulei da cama e saí correndo pela casa. Na minha cabeça, Clara estava parindo meu irmãozinho - ou irmãzinha - no chão da cozinha, e quando eu chegasse lá, só encontraria um bebê chorando no piso frio e um poça de sangue em volta.
- Clara, respira como um cachorrinho! - gritei, assim que atravessei a porta balcão branca da cozinha, encontrando Clara parada no balcão de mármore chupando o dedinho da mão esquerda e meu pai me olhando por cima do jornal, curioso. - Você não está tendo minha irmã? - perguntei.
- Não, eu cortei meu dedinho com a faca do pão. - ela mostrou o corte minúsculo do dedinho, antes de colocá-lo de volta na boca. - Irmã ou irmão, Lua, já conversamos sobre isso.
Suspirei, aliviada.
- Querida, relaxe, você está mais nervosa que eu com a chegada do bebê! - ela riu, sentando-se ao lado do meu pai, que voltara a ler o jornal, me ignorando.
Olhei para a mesa, procurando algo digerível que não fosse integral ou sem gosto. Encontrei um restinho de Nescau Ball e coloquei na minha tigela favorita do Bob Esponja. Reguei com leite e comi silenciosamente na outra ponta da mesa, enquanto Sue comia torradas com geléia e meu pai saboreava seu café escuro sem açúcar - que eu, particularmente, achava nojento.
Acabei de comer e coloquei a tigela na pia, olhando para meu pai, que não havia se manifestado. Clara olhou de mim para ele, dele para mim, e deu de ombros, voltando sua atenção às torradas com geléia.
- Quando você vai voltar a falar comigo? - perguntei, direcionando ao meu pai, que só pigarreou, sem tirar os olhos do que lia. - Não vai responder? Ótimo.
Para bom entendedor, meia palavra bastava. Saí da cozinha pisando duro, fazendo birra, e subi as escadas fazendo o maior barulho possível. Ouvi Clara e meu pai conversando, mas entrei no quarto e bati a porta. Coloquei a única calça jeans velha que Thur - evitei pensar nisso, pois só seu nome me dava nojo - deixara em meu armário, pesquei minha camiseta “Never Mind The Bullocks” e calcei meu Vans Slip On quadriculado. Fui até o banheiro, lavei o rosto, escovei os dentes, prendi meu cabelo num rabo alto e coloquei meu RayBan Wayfarer preto. Desci as escadas, peguei as chaves do Vectra GT de Clara e gritei:
- Estou indo pro estúdio, Clara! Algum recado?
- Pede praquele novo estagiário que eu não sei o nome bloquear as ligações direcionadas pra cá daquela banda do Sul dos EUA eles estão deixando uma grávida nervosa! - ela gritou de volta, fazendo meu pai rir.
Saí de casa, pegando meu celular no bolso e colocando Rayanna, Mel e Sophia numa conexão.
Sophia foi a primeira a atender.
- Nossa, caiu da cama? - ela perguntou, com voz de quem já estava acordada há muito tempo, já havia feito esteira, tomado banho e comido seu café integral.
Sophia era totalmente diferente de mim em relação aos cuidados com o corpo, mas nós nos dávamos super bem.
- Quase isso. - respondi, colocando o celular no viva-voz e jogando-o em meu colo, enquanto colocava o cinto de segurança e ligava o carro. - Clara quase me matou do coração.
Contei o que havia acontecido mais cedo na cozinha enquanto dirigia pelo bairro, rumo à gravadora de Clara para fiscalizar as coisas por lá.
- Nossa, que tenso! - Sophia comentou, assim que terminei de contar.
- É, teeenso… Mas e aí, o que vamos fazer hoje?
- Bom, eu meio que… - ela ia dizendo, quando Rayanna entrou na conversa.
- Vaquinhas do meu presépio! - ela exclamou.
- Ray! - eu e Sophia dissemos ao mesmo tempo.
- Qual é a graça de me acordar cedo? - Mel perguntou, entrando logo em seguida.
- Mel! - eu, Sophia e Rayanna dissemos juntas.
- Nossa, desde quando você atende nossas chamadas de manhã? - Sophia perguntou, rindo.
- Minha mãe me acordou para poder limpar o quarto. - ela grunhiu. - Estava indo dormir na sala quando vi o celular piscando. Resolvi atender só pra ser legal.
Virei a esquina, avistando o prédio de quatro andares todo espelhado onde “Blanco Records” brilhava na porta de entrada. Parei o carro na frente da bancadinha onde Marcos, o faz-tudo, estava parado com outro segurança. Enquanto ouvia o papo-furado das minhas amigas, saí do carro antes que alguém abrisse a porta - odiava que fizessem algo que eu poderia muito bem fazer sozinha - e sorri.
- Bom dia, Marcos. - desejei, entregando as chaves em suas mãos.
- Bom dia, Lua! - ele respondeu, pois sabia que eu odiava que me chamassem de “Srta. Blanco”.
Caminhei até a entrada da gravadora e tirei o celular do viva-voz, entrando novamente na conversa.
- …meu desodorante acabou e… - Rayanna ia contando quando eu a cortei.
- Ei, ei, o que vamos fazer hoje? - perguntei, sendo respondida por um silêncio constrangedor. - O que foi?
- É que nós meio que estávamos pensando em ir ao churras do Micael hoje… - Rayanna respondeu, envergonhada.
- Ah… - suspirei, passando minha carteirinha no leitor da catraca. - Então deixa quieto, a gente faz alguma coisa no domingo…
- Ah, Lu, você não pode mesmo ir? - Sophia tentou, com a voz baixinha.
- Não, tenho que estar em casa às 21h. - respondi, rouca.
- Que bosta… - Mel resumiu tudo o que eu estava sentindo naquele momento.
- Bom, vou entrar no estúdio agora - menti, entrando no elevador -, depois a gente se fala.
- Beleza, Lu, a gente se fala durante o dia! - Rayanna disse.
- Beijos! - disse, antes de fechar o flip do celular.
É, meu dia seria pior do que eu havia pensado…
Continua...
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